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27 de setembro de 2012

Vamos ouvir esse silêncio - Crônica - Blog e-Urbanidade

Ontem assisti mais uma edição do programa Saia Justa, atração que a um tempo atrás pensei ter se esgotado, mas sempre se renova e traz à tona bons debates e questões. Dedicaram-se, em um bloco inteiro, sobre o tema “o silêncio”.

A partir de uma discussão trazida por uma telespectadora e blogueira (não encontrei o blog dela ainda), falaram sobre o efeito interessante e, muitas vezes, saudável do silêncio que pode ser entendido sobre vários vieses, ou seja, a falta de uma fala, a capacidade de não precisarmos encher vazios com sons, a habilidade de sair de cena quando se deseja articular muito em uma discussão, não ter medo do nada e, por fim, acalmar os pensamentos.

Devo reconhecer, sou do tipo que a primeira coisa a fazer quando se chega em casa é ligar uma tevê ou música. Ficar em casa exige um barulho qualquer, de alguém falando ou de algum cantor. Até mesmo para fazer uma leitura, gosto de tarefa dupla, assistir e ler, com direito a algumas paradas, para não perder nada.

Obviamente refleti um pouco sobre o que foi dito na telinha. E fiquei impressionado com algumas possibilidades e pude deslumbrar uma cena proposta pelo quarteto do Saia Justa: o silêncio de um casal. Sempre fiquei incomodado, por exemplo, com os casais que não se falam na mesa de um restaurante. Claro que preciso tirar desse bloco aquelas duplas em silêncio porque estão lendo jornais ou vendo seu iPhone. Falo daqueles que jantam ou almoçam, em paz, aproveitando da comida e da companhia. Em certa altura, alguém disse no debate que essa necessidade de não ter que preencher o sossego com falas é o ápice da intimidade.

O mais absurdo em tudo isso é que fez certo sentido para mim. Pensava exatamente o contrário, defendia que a ausência de intimidade é que levava a falta de assunto. Que bacana poder perceber a proximidade de dois no silêncio comungado, como fazemos numa igreja ou na morte de alguém querido. Alias, sou daqueles que acha que num velório quando menos se fala, “meus pêsames”, “meus sentimentos” ou “seja forte”, melhor é.

Algumas coisas mudaram em mim a partir do debate de ontem, primeiro, olharei com menos preconceito e burrice para os casais que andam sem falas ou sentam-se à mesa de um restaurante curtindo a sua comida. Silêncio pode ser o retrato de muita intimidade. Também praticarei isso. Outro detalhe é uma meta de vida, tentarei curtir mais silêncios, sozinho, em casal ou em grupo. Não falo apenas de praticar a mudez, incluo a busca por sossego dos pensamentos, porque muitas vezes não dizer nada não significa silêncio. Talvez a confusão interna seja muito mais terrível e barulhenta. Tentei ontem, por milésimos de segundo, fazer isso e com sucesso. Quem sabe eu consiga por mais tempo?!

E para concluir, anexo embaixo a mesma música que fechou o episódio do Saia Justa de ontem:

O SILÊNCIO - ARNALDO ANTUNES

antes de existir computador existia tevê
antes de existir tevê existia luz elétrica
antes de existir luz elétrica existia bicicleta
antes de existir bicicleta existia enciclopédia
antes de existir enciclopédia existia alfabeto
antes de existir alfabeto existia a voz
antes de existir a voz existia o silêncio
o silêncio
foi a primeira coisa que existiu
um silêncio que ninguém ouviu
astro pelo céu em movimento
e o som do gelo derretendo
o barulho do cabelo em crescimento
e a música do vento
e a matéria em decomposição
a barriga digerindo o pão
explosão de semente sob o chão
diamante nascendo do carvão
homem pedra planta bicho flor
luz elétrica tevê computador
batedeira, liquidificador
vamos ouvir esse silêncio meu amor
amplificado no amplificador
do estetoscópio do doutor
no lado esquerdo do peito, esse tambor
(veja o clipe da música no YouTube)

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